Olhando para a arrebentação em um dia de ondas grandes, porém irregulares, me peguei fazendo a seguinte reflexão: quantas vezes investimos em uma sessão – ou mesmo em uma surf trip – baseada nos modelos de previsão, que indicavam condições épicas.
Apesar de período, tamanho e direção de swell alinhados, muitas vezes na praia nos deparamos com um cenário nada parecido. Aquela onda que supostamente estaria perfeita acaba virando uma “fechadeira”, impossibilitando a sessão dos sonhos.
Em contrapartida, não foram poucas vezes em que todos os prognósticos apontavam condições irregulares mas, quando colocamos o pé na areia, ondas incríveis apontam no outside.
Essas situações ocorrem com frequência, pois, ao analisarmos isoladamente os modelos de previsão, deixamos de considerar que a zona costeira é um ambiente complexo, constituído por uma geografia com elementos extremamente dinâmicos (ondas, correntes, marés e ventos).
Além disso, devemos lembrar que a qualidade e o tipo de ondas também são um resultado da interface entre áreas de bacias oceânicas mais profundas, áreas costeiras mais rasas, a própria beira da praia e a planície costeira adjacente.
É justamente levando em conta essa grande complexidade de elementos e fatores em interação que podemos nos equivocar enquanto buscamos decodificar a previsão das ondas. Na grande maioria das vezes, não se trata de um erro da previsão, mas sim de uma interpretação imprecisa dos modelos.
Tendo em vista à necessidade de aproximar os surfistas a uma melhor compreensão dos conhecimentos que envolvem oceano, áreas costeiras e mais especificamente a geração, formação e qualidade das ondas, escrevi essa sucinta análise sobre alguns aspectos para trazer um entendimento mais claro e didático sobre o tema.
Antes de mais nada, é preciso dizer o que a grande maioria dos surfistas já sabe: as ondas que vemos quando chegamos à beira da praia não são todas iguais, entretanto, o que muitos não sabem, é que elas podem ter origens bem diferentes, o que resulta em formas bastantes distintas.
Isso ocorre, pois as ondas que se formam em áreas mais próximas ou afastadas da costa podem ser fruto de ventos intensos ou mais fracos ao mesmo tempo, geradas por tempestades duradouras ou ventos locais de curta duração. Desta maneira, vamos iniciar comentando um pouco sobre o processo de geração das ondas.
Podemos considerar que a grande maioria das ondas possui fluxo de energia geradas pelo vento (uma das poucas exceções são os tsunamis, que são ondas geradas por abalos sísmicos), sendo elas o resultado da ação do vento sobre a superfície do mar. Veremos então quais são os fatores que influenciam a origem das ondulações impactando em mais ou menos energia.
A energia de ondas depende dos seguintes fatores:
1) Velocidade dos ventos na área da tempestade;
2) Tempo de duração dos ventos da tempestade;
3) Dimensões da pista (fetch) – área sobre oceano pela qual a tempestade atua;
Desta maneira, há dois tipos distintos de ondas, os quais são decorrentes de dois diferentes momentos, tendo em vista a posição das ondas em relação a tempestade, ou, em outras palavras, da distância das ondas em relação a área geradora.
Antes de comentarmos sobre os dois tipos de ondas, vamos relembrar as principais partes de uma onda:
Crista: parte mais alta da onda;
Cava: parte mais baixa da onda;
Comprimento: distância entre duas cristas sucessivas;
Período: tempo decorrido ou intervalo entre duas cristas sucessivas;
Altura: distância vertical entre a crista e a cava;
Base da onda: ainda que não possamos enxergar, a onda enquanto se propaga libera energia em regiões mais profundas, e a base é o ultimo ponto que a ondulação libera energia em direção ao fundo do oceano.
Em função, disso dependendo da profundidade e do tipo de onda, a mesma pode sofrer interferência do fundo quando está se aproximando da costa (em seguida retomaremos este aspecto). Sendo assim, a interação da onda com o fundo deve ser considerada nas previsões, apesar de ser uma variável ainda bastante subestimada por incompreensão.
Estabelecidas as partes de uma onda vamos aos dois diferentes tipos:
Vagas São ondas que se propagam próximas à área geradora (área de tempestade ou de ventos mais intensos). Normalmente são geradas por ventos locais, próximos à costa, muito comuns no litoral brasileiro entre a primavera e o verão, sendo predominantes na direção leste e nordeste.
Diga-se de passagem, são essas vagas que salvam o surfe na maioria dos dias no litoral brasileiro de norte a sul. Importante destacar que as vagas são ondas descontínuas (já que pela proximidade da costa, não há tempo para as ondas se alinharem).
Elas apresentam período e comprimento mais reduzido (entre 6 e 10 segundos), mas apesar – e em função disso – elas tem a sua altura potencializada, fazendo com que se apresentem de maneira geral em forma de múltiplos picos, ou a famosa onda triangular, também chamada de “A-Frame”.
Swell Ao contrário das vagas, são ondas que se propagam em regiões afastadas da área de geração, portanto distantes das tempestades e dos fortes ventos. Os swells que chegam à costa brasileira normalmente são formados no Cinturão Tempestuoso do Atlântico Sul, entre 40° e 60° de latitude sul, e se deslocam em direção ao litoral brasileiro acompanhando o deslocamento das massas polares, sendo recorrentes no outono e inverno.
Esse maior afastamento da área geradora origina ondas mais organizadas e alinhadas, com maior comprimento e período (entre 10 a 15 segundos na costa brasileira e até 25 segundos ou mais em áreas costeiras ao redor do planeta, principalmente ao longo do Pacífico que, por ser mais amplo, permite maior espaço e tempo de deslocamento).
Frequentemente, os swells apresentam mais energia do que as vagas, e se propagam por longas distâncias até encontrarem uma determinada região costeira. Ali as ondas arrebentam, liberando grande quantidade de energia carregada por milhares de quilômetros.
Na verdade, podemos concluir que a formação de um swell é um processo no qual as vagas sofrem ao longo do tempo e da distância percorrida. Neste processo, cada vaga ao longo do seu percurso vai se juntando às outras, ganhando cada vez mais energia, dimensão e espaçamento, originando dessa forma, o swell (ver figuras abaixo).
Relação da altura e período de onda com o fundo do oceano
Tendo em vista as considerações expostas até agora, voltamos a questão inicial do texto: por que nem sempre a previsão de um swell consistente, com tamanho e período elevados, se traduz em ondas de boa qualidade?
A resposta, de certa forma, é uma associação de fatores. Vamos considerar mais um aspecto na interação entre as ondas e a costa: as características das áreas costeiras por onde as ondulações se propagam antes de arrebentarem na praia. A profundidade da costa brasileira, principalmente do litoral sul e sudeste, é determinada pelas águas rasas da plataforma continental, a qual se prolonga em média por quase 200 km oceano adentro.
Além de ser rasa e extensa, nossa plataforma continental apresenta uma declividade bastante suave até chegar à costa. Para ilustrar, imagine que se navegarmos na costa catarinense por 80 km em direção ao alto-mar, e medirmos a profundidade, teremos em média 100 metros até o fundo. Como comparação, podemos pegar um ponto no litoral do Pacífico peruano e navegarmos os mesmos 80 km, onde encontraremos uma profundidade média de quase 1000 metros.
Estes fatores associados implicam em um desgaste das ondulações à medida que marcham pelas águas mais rasas da costa brasileira (águas de plataforma) até que cheguem ao seu destino final, a beira da praia.
Devemos lembrar que a energia da onda não se propaga apenas entre a cava e a crista, mas sim em águas mais profundas (base da onda), tendo a capacidade de, em águas mais rasas, arrastar no fundo, alterando assim a sua forma e prejudicando muitas vezes a qualidade da sua formação.
Lembre-se também que quanto maior a altura e principalmente o período, mais profundamente a energia da onda se propagará.
Portanto, em se tratando de boa parte do litoral brasileiro, swells de grande intensidade com período e altura elevados, muitas vezes acabam chegando à praia de maneira irregular, com ondas de má formação para o surfe.
Em contrapartida, ondulações menores, como as vagas ou até mesmo swells com boa altura, mas períodos não tão elevados, tendem a apresentar ondas de melhor formação, pois não sofrem tanto interferência do fundo à medida que se deslocam em direção à praia.
Podemos incluir nesse aspecto o fato de que normalmente os swells mais limpos e organizados com maior período apresentam uma característica bem marcante no nosso litoral: são tão alinhados que se transformam em ondas que fecham rápidas e inteiras quando chegam na zona de arrebentação, as famosas e indigestas “fechadeiras”.
Vale lembrar que regiões costeiras com maior profundidade próxima à costa e uma maior quantidade de fundos de pedra ou coral (caso das áreas costeiras e ilhas do Pacífico) recebem melhor as grandes ondulações, o que representa ondas com bom tamanho, longas e excelente formação.
Entretanto, existem algumas praias com características bastante peculiares no litoral brasileiro, tendo em vista que apresentam maior profundidade e declividade (inclinação) na área oceânica adjacente à costa, além de fundos rochosos ou arenosos mais definidos. Isto gera uma maior capacidade de suportar ondulações de maior energia (maior altura e período), o que se traduz em ondas maiores e com melhor formação. Exemplos disso: praia da Vila (Imbituba), a praia do Silveira (Garopaba) e a região de Saquarema.
Desta forma, da próxima vez que aplicar um modelo de previsão à dinâmica natural das praias, não se esqueça das relações entre os elementos e fatores aqui analisados para assim ter mais e melhores resultados na busca pela onda perfeita.
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